terça-feira, 28 de março de 2017

O Ciclo


No seu devido tempo a verde folha descoloriu-se
E com elegância outonal se transfigurou... amarelou
Despediu-se dos braços da mãe e voou
Num voo leve de uma morte breve
Derradeiro salto em que a folha se ofertou
Para com o próprio corpo compor o chão
O mesmo chão que alimenta sua mãe
A árvore que amarelou e se despiu após o verão

Hoje a folha se foi
Amanhã a árvore secará
A estação em que as folhas voam 
Deste inverno não passará
Todos passageiros, brotando ou desfolhando
Todos de passagem, nessa ou em outra estação

Além de tudo o que passa há o Ciclo
O Ciclo que a tudo e todos perpassa
O Ciclo que dança
E em poesia
Morte e Vida enlaça  

MaThas


domingo, 19 de março de 2017

O vão da construção


Até então me entendia como uma parede
Erguido firmemente, tijolo a tijolo
Alicerçado, rebocado e pintado
Ainda que assim, eternamente inacabado

Uma parede construída no tempo 
Tijolos de uma vida, a minha vida
Empilhados, alinhados e suados
Cimentados em linguagem
Obra que reconhecia como minha própria imagem

Até então era como uma parede
Conjugado com espaços de não-eu
Janelas, portas, corredores
Vãos sem tijolos, cimento ou acabamento
Vãos de não-eu, vir-a-ser de todos os momentos

Até aqui me entendia como uma parede
Obra concreta e no tempo em construção
Até que então, a parede veio ao chão....
Desmoronou sem dor, poeira ou estrondo
Aqui neste chão se esparramou e aqui mesmo suspirou

De tudo que caiu só uma janela restou
Memorial do não-eu, o vão do monumento 
Moldura da passagem sempre alheia 
Se chegou ou se partiu, se entrou ou se saiu 

Aqui estou e sei que sou 
Aquilo que não se toca e jamais cai
O eterno vão da janela
Na dança da vida só ele não se vai

MaThas

terça-feira, 14 de março de 2017

Humano


foi com dedicação que reguei
esta pequena muda de goiabeira
enquanto em segredo desejava 
morder a fruta daquela macieira

                                        MaThas

sábado, 11 de março de 2017

Zendo




Mulheres


Não encontrei palavras para descrever uma mulher...
Indefiníveis como a existência, o amor, a noite, a luz
E tudo aquilo mais que faz a vida valer a pena

                                                                                             MaThas


quarta-feira, 8 de março de 2017

Chamados




Canção ao Divino


Que Tua graça e beleza floresçam em minha vida
Que meu corpo não resista a Tua dança
Nem minha boca ao Teu canto 
E meus ouvidos a Tua melodia
Que meu olhar repouse em Tua imagem
E meus passos não desviem do Teu caminho
Que este coração não tema o chamado
E siga por vales, montanhas e cidades louvando-Te
Que eu não resista ao convite
Que eu possa desistir... 
Desistir totalmente de mim
E me entregar... sem reservas
Em Teus braços

MaThas


domingo, 5 de março de 2017

Bons ventos


Aqui, nesse espaço aberto, venho pedir a ti Bons Ventos
Que de leve me leve para aqueles destinos 
que minha vista ainda não alcança

Se não puder levar-me, Bons Ventos
Poderia talvez trazer-me o frescor e os aromas 
daqueles distantes bosques verdejantes

Se nada puder trazer-me, Bons Ventos
Peço-lhe que disperse as carregadas e densas nuvens desse ar

Se isso não for possível, Bons Ventos
Brinque de bagunçar meus cabelos 
ou de vassourar as folhas no chão
Ou quem sabe alegrar o menino com sua pipa ainda na mão

Se não houver brincadeira alguma, Bons Ventos
Peço-lhe que acorde aquele velho sino 
para seu ofício de soar o sagrado

Se não puder despertá-lo, Bons Ventos
Talvez uma dança com varais cheios 
ao som do farfalhar nas copas das árvores

Mas se mesmo a arte não ventar, 
ou nada mais do que peço ventilar

Querido Bons Ventos, esqueça esse meu implorar
Pouco importa, em nada me chateio
Continuarei menino a sorrir e a voar
De braços abertos, solto em seus braços
Nesse instante sem laços e de alma solta no ar    

MaThas

quarta-feira, 1 de março de 2017

Darshana



As fotos que a NASA revelou não revelam 
O chão de praia lá do longínquo céu
Nem as pérolas da bela e graciosa galáxia dervixe
Não, a NASA não revelou a intimidade das estrelas de lá
Essas fotos revelaram a mais profunda intimidade
De quem sou aqui neste chão
Desnudaram este astronauta
Que decolou sem foguete
E orbita agora no Vácuo

Eis me aqui

Um nada extasiado
Filho das estrelas
Feliz pó do universo
Pleno de unidade e aconchegado
Na imensidão do ventre cósmico

                                   MaThas




A hora extrema


... e por fim chegará a hora extrema, momento que o chão é tirado dos pés e o salto no eterno se dá por completo

belo, irrevogável, intransferível, irretocável, definitivo, conclusivo, pleno, perfeito... insondável destino... 

nada para segurar, nada a levar, nada a completar, nada que não a silenciosa implosão em uma só direção

nada mais que só ser... o salto

(para a mãe do Elias)

                                                       MaThas