domingo, 19 de março de 2017

O vão da construção


Até então me entendia como uma parede
Erguido firmemente, tijolo a tijolo
Alicerçado, rebocado e pintado
Ainda que assim, eternamente inacabado

Uma parede construída no tempo 
Tijolos de uma vida, a minha vida
Empilhados, alinhados e suados
Cimentados em linguagem
Obra que reconhecia como minha própria imagem

Até então era como uma parede
Conjugado com espaços de não-eu
Janelas, portas, corredores
Vãos sem tijolos, cimento ou acabamento
Vãos de não-eu, vir-a-ser de todos os momentos

Até aqui me entendia como uma parede
Obra concreta e no tempo em construção
Até que então, a parede veio ao chão....
Desmoronou sem dor, poeira ou estrondo
Aqui neste chão se esparramou e aqui mesmo suspirou

De tudo que caiu só uma janela restou
Memorial do não-eu, o vão do monumento 
Moldura da passagem sempre alheia 
Se chegou ou se partiu, se entrou ou se saiu 

Aqui estou e sei que sou 
Aquilo que não se toca e jamais cai
O eterno vão da janela
Na dança da vida só ele não se vai

MaThas

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